4 de mar. de 2022

SEXUALIDADE ONLINE INERTE A EXISTÊNCIA

 O indivíduo que não sabe dominar os próprios instintos é sempre escravo daqueles que se propõem satisfazê-los.[Gustave Le Bon]


Para geração Z a presença online é uma parte que nasce com nossa existência, um adolescente e jovem dos tempos atuais não consegue viver sem estar conectado em dezenas de redes sociais, seja para relacionamento social ou sexual. Isso se aplica também no mercado do sexo. Os garotos de programa da minha geração fizeram dos sites e anúncios online suas plataformas de trabalho, mas a coisa foi muito além.

Quando comecei como Eduardo o que estava em alta eram os blogs, redes como facebook, instagram começava a ganhar força e os sites de webcam show. Hoje olho para tudo que temos disponível em nossos celulares e me sinto um ser binário e limitado. Não porque eu não saiba manusear esses aplicativos, mas porque não me enquadro e não tenho tanto interesse na exposição online de forma excessiva.

Meu limite foi até os webcam show, os quais eu fazia por Skype, sem exibir meu rosto. Foi através desse comercio online que fiz dezenas de clientes, homens de outros Estados e Países. Era como abrir uma franquia do seu corpo físico para outros territórios. Não havia toque, penetração e malabarismos entre corpos, mas havia uma exibição que ora era espontânea, ora era coreografada pelos clientes.

Os mais safados gostavam de coordenar toda ação, com suas câmeras fechadas eram apenas vozes que falavam comigo.

- Isso, pega no seu pau forte e bate...

- Agora fica de quatro na cama e abre esse cu pra mim...

- Geme baixinho...

E quando o clímax chegava do meu quarto em frente ao computador eu ouvia um gemido de prazer ou o cursor começava a se movimentar.

- ........................GOZEI

Rapidamente eu me limpava, do outro lado o cliente também, fazíamos os agradecimentos finais e mais um show online concluído com sucesso.

Fácil? Só que não...

Fazer um webcam show era tão trabalhoso quanto um programa ao vivo, era preciso pensar em tudo, enquadramento da câmera, iluminação do ambiente, objetos ou móveis que poderiam causar uma poluição visual e tirar o foco do cliente, além de um horário onde todos estivessem dormindo ou entretidos a ponto de ninguém chamar e atrapalhar.

Num desses encontros conheci Ebert, morador de uma pequena cidade no Estado de São Paulo, era um menino aparentemente de família rica. Era estudante de arquitetura, trabalhava na empresa do pai e ao que aparentava era um herdeiro cobiçado em seu meio social. Círculo esse composto por amigos playboys e piriguetes que se engoliam como Sucuris para dar o bote no jovem rapaz.

O garoto começava a se tornar homem e nessa fase de transição Ebert queria experimentar outras sensações e fetiches, foi ai que nos esbarramos. Ele pegou meu contato do blog que já acompanhava, além dos sites de avaliação de Gps masculinos que me publicavam.

Devido a distância nunca transamos ao vivo, Ebert fechou dois ou três webcam show nos quais eu me exibia e me tocava enquanto do outro lado ele observava. Quem já teve essa experêncie com a câmera sabe que a "gozada",ejaculação é o granfinale, mas até que isso aconteça algumas brincadeiras são validas, como saber se promover dentro do exibicisimo, seja com um bom estrepetease, posições provocantes, frases de efeito e todo tipo de artífício que possa deixar a transmissão excitante para quem observa.

Após esses encontros virtuais, Ebert e eu começamos a conversar, ele gostava de me contar suas aventuras baladeiras e os assédios que sofria por parte das meninas que sonhavam em transar e namorar com ele. Gostava sempre de ressaltar que grande parte desse assédio era por sua condição econômica e status social. De fato o dinheiro aflora instintos e sexualidade. Nada melhor que um GP para saber disso. E talvez por saber desse magnetismo que a combinação de sexo e dinheiro promovia no ser humano, eu conduzia a conversa com o jovem de forma bem humorada e utilizando de suas fraquezas e qualidades para tira-lo do camarote e colocá-lo no mesmo patamar que os demais.

Ebert era um garoto em transição, mas que ainda não estava pronto como homem, se você olhasse por muito tempo você ainda veria o adolescente com espinhas e meio desengonçado com sua aparência, um jovem indeciso entre gostar de meninas e meninos, entre ser ativo e passivo, entre se afirmar como hetero top comedor de bucetinhas ou gay másculo bem resolvido.

- Posso te pedir uma coisa.

- Fala...

- Escreve um texto sobre mim? Você escreve sobre tudo mundo e não fala da gente. [pedia ele]

- Olha esse Ebert safado...

- Ah, escreve, vai. Mas escreve algo legal...

- Santa ingenuidade [ eu pensava ] – Ebert, não é assim, para eu escrever eu preciso me sentir motivado, instigado. Não tem que rolar como pressão, senão não sai nada... Mas fica tranquilo, uma hora eu escrevo.

-Mas a gente já se conhece faz um tempo...

-Vou ai apertar suas coxas hein, mostrar para essas piriguetes que te perseguem que você curte macho. Hehehe

O tempo passava e eu nunca cumpria a promessa de escrever sobre o jovem herdeiro que tinha desejos secretos em apreciar membros eretos. Ebert amadurecia e com ele seu lado homem começava a predominar, curiosamente começou a revelar um desejo por dominação. Chegou a ensaiar duas viagens comigo, queria marcar datas para eu ir ao seu encontro em sua cidade natal, mas a pedido dele eu ficaria apenas limitado ao hotel para não dar bandeira com ele pela cidade. [Vai que o clã das piriguetes caçadoras de herdeiros me vissem com ele e o tico e teco delas entrasse em convulsão ] Melhor evitar.

Eu ficava imaginando quantos garotos pertencentes a famílias abastadas que depositavam expectativas de que eles se tornassem símbolo de virilidade e poder estavam na mesma condição que Ebert. E quantos desses garotos furavam a bolha e se rebelavam sexualmente para o mundo ou simplesmente dançavam conforme a música e viviam uma vida de aparências. O problema é que a vida é uma só e esses algozes travestidos de avós, pais, amigos e irmãos passam, viram pó e você pode vir a se arrepender de ter abdicado de viver algo que queria.

Essas viagens não se concretizaram, mas nossa amizade começou a se tornar maior que a relação cliente e garoto de programa. Houve uma ocasião em que precisei de sua consultoria de arquiteto para um projeto de uma instalação em um parque municipal e prontamente Ebert fez todo um projeto em 3D para mim e me deu algumas dicas.

Nossa amizade perpetua até hoje e não fizemos mais nada relacionado a webcam show. Ebert vem se tornando um homem bonito, viril, atraente e humilde, apesar das circunstancias indicar um ar playboy.

Espero que ele tenha conseguido se achar no campo sexual... gay, bi, hétero, fluído, seja o que for, que ele tenha se encontrado. Felizmente cumpro aqui minha promessa. Um texto sobre o garoto que vi amadurecer e tenho grande carinho, apreço e tesão, (não serei hipócrita).

Será que estou me tornando um tio da lancha?

Jesus! O último que sair apaga a luz!

 

O garoto errado

22 de fev. de 2022

DEIXE IR

Como dizer adeus pra alguém que você nunca imaginou sem? Eu não disse adeus. Não disse nada. Apenas fui embora. [Caio Fernando Abreu]

Conheci Alan em 2011, quando Eduardo ensaiava aparecer em minha vida. Era final do ano, estávamos em um churrasco de um amigo em comum. Alan era alto, moreno, cabelos e olhos pretos, porte médio, coxas grossas, sorriso bonito, voz máscula, fazia a linha discreto e antissocial, mas era só tipo, porém eu só iria descobrir depois. Na época ele namorava um cara antipático e ficamos só nos cumprimentos. Mas naquele dia o achei um cara interessante, porém como tinha em mente que seria um encontro para nunca mais, fiquei na minha.

Os meses se passaram e para minha surpresa o encontrei mais duas ou três vezes em eventos do mesmo amigo em comum. Ficamos timidamente em rápidas trocas de olhares, mas não passava disso. Nessa época eu já me tolhia focado em Eduardo, tive anos intensos de trabalho, carteira fixa de clientes e pouco tempo para vida privada.

Em 2014 retornando de São Paulo para um contrato de trabalho em outra cidade, encontrei Alan nos aplicativos de rede social, entre uma curtida e um comentário, começamos a conversar,  na trocamos algumas impressões e rolou o primeiro encontro no cinema. Não recordo qual filme assistimos, mas depois esticamos para seu apartamento e foi lá que rolou a primeira transa.

O encaixe foi de primeira, nos beijamos e deslizamos nossas mãos degustando cada momento, foi um encaixe bom, gostoso e quase que perfeito, pois os corpos não se repulsavam, mas se atraiam e se envolviam com quem se conhecesse a muito tempo. Diferente do sexo casual com crushs e clientes, o sexo com Allan foi com pegada de namorado. Uma curiosidade é que ele preferia ser ativo, talvez como afirmação, pois seu porte físico fazia o estilo macho alfa, mas na cama, além de um belo par de coxas, ele tinha uma bunda muito suculenta. Naquela noite fui passivo porque Allan quis conduzir assim, mas não deixei aquela bunda intacta sem umas boas linguadas.

Foi o primeiro encontro no qual me senti envolvido de verdade, depois de tantos anos recluso e focado como GP. Depois daquela sensação gostosa de ter feito amor e transado com alguém que havia mexido com minhas bases, veio o julgamento interno. Como levar isso adiante sendo garoto de programa?

Infelizmente eu não soube e acho que o Alan também não; mesmo ele não sabendo de Eduardo. Sem terminar frases que denotassem um compromisso no modelo padrão, assim construímos uma espécie de namoro onde nos encontrávamos de tempos em tempos, passávamos alguns dias juntos e depois nos separávamos, mantendo curtos diálogos por redes sociais. Era estranho porque não era um amor idealizado de comercial, mas livre, como fases da lua.

Com o tempo fomos conhecendo a intimidade um ao outro e nos soltando mais no sexo. Houve um dia em que fui ativo com Allan, penetrar aquele homem másculo, coxudo e bundudo me fez pirar. Mas com o tempo saquei que Alan tinha uma pegada mais gouine, ou seja, sexo sem penetração, mas que curte beijos, toque e carícias. Mesmo assim ele insistia em querer me penetrar, mas nem sempre ia até o fim. Allan era um homem carinhoso com cara de bravo, adorava super-heróis e colecionava diversos deles em diferentes escalas. Em seu quarto haviam estantes repletas de Superman, Homem Aranha, Batman, colchas, toalhas e almofadas temáticas.

Além de colecionador era bom anfitrião, bom cozinheiro, churrasqueiro e tinha bom gosto para decorar a casa, gostava de dormir abraçado (algo que me incomoda bastante) e roncova. Esse combo definitivamente era seu calcanhar de aquiles, hehehe. Considerando ser uma noite a cada encontro, eu relevava feliz.

Me dei conta do nosso envolvimento quando tivemos um natal juntos, no qual passei com sua família e a amigos, dormimos juntos e no dia 25 após o café da manhã voltei para casa. Ao sair da garagem e ver a imagem de Alan se distanciando pelo retrovisor me dei conta que estávamos dando uma passo importante. Essa ficha me fez retroceder, embora minha relação com Alan fosse de carinho, tesão e amizade, minha vida dupla como Garoto de Programa seria um problema caso fosse consenso um relacionamento.

O fato é que nem eu e nem ele tivemos iniciativa, não partiu de ninguém cobrar uma resposta, fazer uma declaração ou chegar com um pedido de namoro. Nada, absolutamente nada. Medo? Insegurança do que queríamos um com o outro? Penso que sim, fomos covardes. As juras de amor ou desejo só saiam nos encontros ao vivo e num tom baixo de voz.

O tempo passou e ficamos nos acompanhando por rede social. Certo dia Alan publicou que num exame de rotinha havia descoberto um câncer benigno. Como bom exibicionista relatou todo o processo até o final do tratamento, que tinha sido um sucesso.

Meses depois Alan anunciou que iria se mudar para Brasília, para assumir um novo cargo na empresa. Em nossas últimas conversas antes da viagem Alan disse saber de Eduardo e confessou que queria ter falado comigo há mais tempo. Envergonhado e com medo do julgamento me limitei a confirmar, mas fui surpreendido por sua admiração. Expliquei que esse era um dos motivos para me envolver em um namoro com ele, tinha medo de ferir seus sentimento se soubesse da minha condição como GP.

Alan foi extremamente carinhoso, disse que não mudaria em nada, que entenderia e me respeitaria.

30 de dezembro de 2019

... [Alan comentando foto em status]

-Tão lindo...

- pra combinar com meu crush.

-Não quero ser seu crush. Queria ser seu namorado.

-Eu aceito, hein, mas estamos longe, ficaria complicado para ambos. Meu carinho e sentimento por você é eterno.

A conversar se estendeu para uma leve discussão na qual Alan me acusou de não querer nossa relação. Eu pelo meu lado argumentava que faltava empenho dos dois. E Alan arrematou.

-Eu sempre quis namorar você. Sempre.

Em março veio a pandemia e o que já era distante ficou mais. Todos tentando se proteger reclusos em seus homeoffices. Até que Alan publicou que havia contraído covid e estava em isolamento. Não tínhamos vacina ainda, então o covid parecia uma roleta russa no qual saia na frente quem tinha menos idade e melhor condição física. Acompanhei a evolução do quadro de Alan pelas redes e felizmente ele ficou bem.

 

3 de fevereiro de 2020

... [Alan comentando foto em status]

-Meu príncipe. Eu gosto tanto de você.

-Eu também amo você.

-A gente tinha que ficar juntos

- pra combinar com meu crush.

 

20 de fevereiro de 2020

Queria te falar uma coisa. Rs

-Diga...

-Eu fui pedido em namoro. Achei melhor te avisar. Porque as vezes trocamos umas mensagens carinhosas. Acho que você me entende.

-Sim, entendi. Sem problema, lindão. Se você ta feliz isso me conforta.

- Obrigado lindo. Você continua sendo meu number one. Pena que você não acredita.

- Você também o meu. Eu amo você e quero seu bem.

-Eu também. Você é o homem mais completo. Mais incrível que já conheci.

-Eu entendo nossas limitações por agora.

 

6 de setembro de 2020

Alan escreve contando duas novidades, a primeira é que devido a pandemia foi transferido novamente para nossa cidade e ficaria até fevereiro de 2021. A segunda novidade era que estava solteiro e queria me ver.

Ensaiamos tantas datas e só conseguimos nos ver no dia 28 de outubro. Alan estava mais lindo do que nunca, corpo malhado, cabelos mais longos e mais sério do que o habitual. A cada beijo dava para sentir sua respiração e sua pegada mais forte. Alan insistia em ser ativo, algo que combinava com seu porte estilo parrudo malhado. Mas tinha uma bunda que me deixava louco, porém quase intocável. Foi uma noite especial, fizemos amor e depois adormecemos abraçados.

Depois daquela noite continuamos a nos falar por rede social. Se antes nos ver presencialmente, com a pandemia isso ficou pior. Alan havia sumido das redes, sem postagens recentes até que derrepente, vejo uma foto sua nos status, acamado, abatido e com uma sonda no nariz. Ele olhava para câmera com olhar triste e com um brilho baixo.

16 de fevereiro de 2021

Era uma postagem na qual Alan se mostrava internado, uma recaída do câncer que havia tratado tempos atrás. Chamei-o no Messenger, conversamos e me dispus a visita-lo assim que molhorasse. Passei alguns dias monitorando e conversando com Alan, cobrei de permissão para ir visita-lo

- Oi mor, poxa, não imaginei que estava passando por tudo isso. Desde já você está em minhas orações, tudo isso vai passar, tenha fora, você é e sempre será meu guerreiro. Cuide-se e se precisar de algo em que eu possa ajudar, saiba que estou por aqui. Amo você.

 

-Obrigado lindo. Pena que a gente se veja tão pouco (por culpa sua).

Ele adorava me culpar por isso e eu sempre argumentava, mas dessa vez eu cedi para não cansa-lo

-Eu sei mor, mas havendo tempo a gente corrige isso...Quando puder receber visitas me avisa.

 

23 de fevereiro

Escrevi para Alan

-Oi mor, como tá na recuperação? Tá melhor?

24 de fevereiro

Alan respondeu

É bem lenta

-Mesmo lenta ta caminhando, isso que importa. Logo você estará novo em folha, meu bebezão guerreiro.

 

19 de março de 2021

Eu escrevo para Alan

-Oi meu lindão, como ta meu herói? Passando para deixar um beijão e um abraço apertado.

 

23 de março

Ao acordar e pegar o celular na cama fico ATONITO. Vários comentários de condolências na foto de Alan, ele havia falecido... Uma angustia me invadiu, acessei todos comentários procurando montar um quebra cabeça. Fui direto em nossas mensagem e do outro lado nenhum sinal...

Precisei de um dia todo para me refazer. Em conversa com um amigo em comum ele me explicou que Alan teve queda de imunidade devido ao covid e em janeiro precisou fazer uma nova cirurgia, pegou uma infecção que se generalizou, sem imunidade os remédios não faziam mais efeito.

Foi como levar um soco no estomago, derrepente eu não o veria mais, não conversaríamos mais, não nos abraçaríamos mais, nem poderemos nos beijar. Foi uma dor oca, sem lágrimas, mas de grande frustação pelo que deixou de ser. Em muitos dias me pego arrependido de não ter segurado sua mão e ter vivido nosso namoro. Já tive a fase de me culpar, de te culpar e de dividirmos a culpa.

Também sou grato pelo que vivemos. Mesmo sem tê-lo ao meu lado, pude lhe dizer “Eu amo você”. Você foi e será meu eterno amor. E espero um dia poder te reencontrar. As vezes acho que é pouco demais as histórias que passamos aqui, por isso espero te reencontrar. Mas a esperar dói tanto...

 

O garoto errado

16 de fev. de 2022

O ENFORCADO

 Os suicidas, mesmo os que planejam a morte, não querem se matar, mas matar a sua dor.” 

[Augusto Cury]

Quando conheci Felipe foi algo muito rápido e intuitivo. Na época eu havia aberto o grupo White Boys visando incluir mais garotos da região. Logo de cara percebi que Felipe reunia características bem diferentes dos demais. Reservado, centrado e super discreto, ele não se misturava como os demais garotos.

Rolou uma identificação entre meu lado nerd e metódico com o lado reservado e centrado de Felipe. Resolvi traze-lo para mais perto e coloquei ele em contato com Caio e Lucas. Na época tínhamos uma carteira forte e fixa de clientes, entre eles o Doutor X que era muito generoso com todos.

Como prova de minha lealdade a Felipe, apresentei-o ao Senhor X e juntos passaram uma tarde em um motel da cidade. A partir dai Felipe esteve mais próximo e me permitiu entrar um pouco em sua intimidade. Passamos a atender juntos outros clientes, como um importante promotor de São José dos Campos e nessas idas e vindas ele me confidenciou o desejo encerrar sua carreira como garoto de programa para se dedicar a um negocio próprio e também quitar o apartamento que havia comprado com sua mãe, cheguei a conhecer o imóvel por hora, era numa área nobre da cidade.

Falei que tudo daria certo e assim como ele eu também tinha objetivos ambiciosos. Um dos últimos trabalhos juntos, foi quando fomos a São Paulo, junto com Caio e Lucas para um ensaio fotográfico com locação bancada por Senhor X [ sempre generoso ]

Naquela tarde, enquanto todos estavam eufóricos e desinibidos para as fotos, Felipe era o mais quieto e introspectivo. Era difícil saber o que se passava em sua cabeça. Na época ele estava fora do corpo padrão, fazia o estilo parrudo, com rosto de traços másculos e delicados, membro grande e volumoso, coxas grossas, era capaz de levar qualquer cliente ao êxtase.

Fizemos fotos em grupo e individuais, uma delas foi proposta por mim, mostrava os quatro rapazes nus, de costas lado a lado, com a mão na nádega do outro.  A foto ficou tão artística e bonita que despertava as mais diferentes sensações, foi copiada posteriormente pelo grande site meninos online.

Depois desse ensaio Felipe encerrou sua carreira, excluiu todos anúncios, se especializou em confeitaria, abriu seu próprio negócio, fez nome na cidade, deu entrevistas, saiu em matérias de jornais, começou a cuidar do corpo, tornou-se um homem escultural e assediado nas redes sociais. Éramos amigos de rede social, mas trocávamos poucas palavras, o assunto garoto de programa nunca foi tocado. Tudo ia bem, até que em março de 2021 acordo com a notícia que Felipe foi encontrado enforcado próximo a uma ciclovia.

Rapidamente sua rede social foi enfestada por mensagens de condolências, muitas pessoas se perguntando porque. Em contato com um amigo em comum soube que Felipe estava em depressão profunda pelo término de um namoro e que por esse motivo havia se enforcado.

Fiquei tão abalado, reflexivo sobre a vida, a gente corre tanto atrás de coisas materiais e a vida se torna tão pequena e frágil em um momento de surto.

Pensei muito na coragem de Felipe em optar pelo enforcamento. E refleti sobre como ele teria a sentido, se no momento em que a corda apertou seu pescoço e cortou a passagem do ar ele teria se arrependido. Se quando a solidão invadiu seu coração e ele decidiu acabar com tudo ele tentou hesitar. Morrer por enforcamento é tão agoniante quanto morrer afogado ou de trauma. Me restava pesquisar, surpreendentemente descobri que o enforcamento é a forma mais comum de suicídio no mundo, representando quase metade dos casos, embora com mais prevalência no sexo masculino.

Fenômenos Apresentados Durante o Enforcamento

Durante o enforcamento ocorrem 03 fenômenos que se divide em período inicial, segundo período, e terceiro período.

O período inicial consiste no momento em que o corpo, abandonado e sob a ação do seu próprio peso, leva, pela constrição do pescoço, à sensação de calor, zumbidos, sensações luminosas na vista e perda da consciência produzida pela interrupção da circulação cerebral.

Após esse momento se inicia o segundo período que se caracteriza pelas convulsões e excitação do corpo proveniente dos fenômenos respiratórios, pela impossibilidade de entrada e saída de ar, diminuindo o oxigênio e aumentando o gás carbônico; associa-se a estes fenômenos a pressão do feixe vasculo-nervoso do pescoço, comprimindo o nervo vago.

E por fim ocorre o terceiro período, que é o momento em que surgem os sinais de morte aparente, até o aparecimento da morte real, com cessação da respiração e da circulação.

https://amandazanetin.jusbrasil.com.br/artigos/308245263/medicina-legal-conceito-de-enforcamento-e-seu-historico-ao-longo-dos-seculos

Senti muito por Felipe, não éramos íntimos, eu não sabia muito sobre sua vida e não fui nem de longe seu melhor confidente, mas juntos dividimos algo que só a prostituição nos dá, a coragem para nos expor ao risco e ao julgamento humano. Receio que as mortes por suicídio nunca encontrem a paz desejada. Talvez Felipe esteja vagando e ainda leve tempo para encontrar o que buscava. E meu auxilio de agora em diante será interceder por ele em minhas preces.

 

O garoto errado